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EUA x China: possíveis cenários da nova ‘Guerra Fria’ Leste x Oeste (1)

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Posted by Thoth3126 on 28/07/2020

Postado em Politicamente Incorreto por: Matheus Moura


Um regime historicamente autocrático contra a principal democracia global. Um enorme leque de hostilidades em todos os âmbitos, geográficos e setoriais. Espionagem, propaganda, força militar, símbolos, a história, dizem, se repete; parece ser verdade. A Guerra Fria do século XX entre o Kremlin e a Casa Branca ameaça voltar no século XXI, dessa vez entre o antigo vencedor, os EUA, e a nova potência em ascensão, a China. Nas últimas duas semanas, os dois levaram ao paroxismo um frenético baile de disputas, choques, ameaças e sanções, fechamento de consulados, acusações de espionagem e vetos de viagens, em que o passo de um foi respondido pelo outro em uma simetria tão perfeita como inquietante.


Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch


EUA x China: possíveis cenários da nova guerra fria. O duelo pela hegemonia global que deixa o mundo apreensivo


Fonte: EL PAÍS – Desde Pequim, Washington, Madri, Bruxelas e Cidade do México. 


Macarena Vidal Liy (Pequim) / Amanda Mars (Washington)

Um perigoso duelo a um ritmo cada vez mais intenso, de duração e final ainda imprevisíveis. E que, seja na hora de escolher a tecnologia 5G, decidir sistemas de defesa e votar resoluções internacionais, ameaça arrastar – como na primeira Guerra Fria – o restante dos países a um e ao outro lado da pista de dança [sob a batuta dos membros do Deep State].


Há, entretanto, uma diferença radical em relação à Guerra Fria que se desenvolveu durante a segunda metade do século XX. A antiga comunista URSS nunca foi a potência econômica que é a atual China comunista, e os dois países à época em disputa não estavam tão interconectados financeira e produtivamente como estão agora as duas maiores economias do mundo. “Para mim, isso significa que essa guerra vai durar pelo menos tanto como aquela ou até mais.


Sei que não é uma perspectiva muito bonita, mas é a que vejo”, diz Gary Hufbauer, especialista do Instituto Peterson de Economia Internacional e, principalmente, um veterano da primeira linha de fogo daquela interminável contenda com Moscou. Hufbauer, alto escalão do Tesouro dos EUA no final dos anos setenta, considera que “como aconteceu na Guerra Fria, os dois lados procurarão aliados para se reforçar, mas a China tem mais habilidade para isso. A Rússia atraiu aliados com a ocupação militar. Pequim não precisa, [o presidente chinês] Xi Jinping está usando a economia para colocar os outros países em sua órbita”.


O calibre das fricções é tal que ninguém mais minimiza sua relevância. As relações “enfrentam seus maiores problemas”, desde que os dois países estabeleceram laços diplomáticos plenos em 1979, reconheceu recentemente o ministro das Relações Exteriores chinês, Wang Li. “A relação com a China está muito prejudicada”, declarou o presidente norte-americano, Donald Trump. O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, declarou o fim da política de aproximação, ao clamar que “o mundo livre deve triunfar contra essa tirania”.


Paradoxalmente, essa grave deterioração ocorre apenas seis meses após os dois países assinarem em 15 de janeiro, com toda a pompa e circunstância na sala Leste da Casa Branca, entre aplausos e alvoroço, o acordo que deveria acabar com todos os desentendimentos entre eles, a primeira fase de um pacto para colocar um fim na guerra comercial que combatiam desde 2018.


A pandemia de covid-19 fez esse projeto saltar pelos ares, e trouxe novamente à luz as tensões que a assinatura do acordo comercial havia escondido debaixo do tapete. Tensões baseadas em uma enorme desconfiança mútua, de raízes históricas e ideológicas e que as recriminações em torno da origem e da gestão do vírus colocavam de novo em primeiro plano. A rivalidade, ficou claro, é sistêmica e se estende a todos as áreas.


A competição é pela influência mundial – a China, com sua iniciativa da Nova Rota da Seda, os Estados Unidos com o peso de seus 75 anos como superpotência –; pela inovação em áreas como a inteligência artificial e os veículos elétricos; na corrida espacial – ambos estão enviando missões a Marte com dias de diferença – e no armamento ultramoderno, seja termonuclear, convencional e quântico. Agora, também, para conseguir a vacina que ajuda a resolver a mais grave crise deste século.


A primeira estratégia de Segurança Nacional da Administração de Trump, apresentada em dezembro de 2017, apontava a China e a Rússia como rivais que ameaçavam a prosperidade e os valores dos Estados Unidos. “Após ter sido descartada como um fenômeno do século passado, a competição entre grandes poderes voltou”, dizia o documento, recuperando a linguagem da corrida entre superpotências.


As bases da disputa atual que hoje parece estar fervendo estavam, em resumo, já explicitadas no diagnóstico do Governo de Trump quando ainda não havia completado um ano. A sintonia que o republicano gostava de mostrar em relação a Xi Jinping, por mais desconcertante que fosse (chegou a elogiar a reforma constitucional do líder chinês para se perpetuar no poder), nunca significou superar conflitos. Agora, os dois estimulam a guerra contra o outro e obtêm, em boa parte, créditos políticos em casa.


A lista de desencontros, invectivas e represálias recíprocas aumentou sem trégua nos últimos meses. Restrições mútuas de entradas a funcionários em torno ao Tibete e Hong Kong, onde uma nova lei de Segurança Nacional imposta pela China anula, de acordo com os Estados Unidos, a ampla autonomia do enclave. Sanções recíprocas pela situação da minoria muçulmana uigur na região de Xinjiang, onde Washington – e numerosos especialistas – denunciam terríveis abusos dos direitos humanos. Previamente, cada um também havia expulsado jornalistas e imposto limites aos vistos de correspondentes do outro.



Ambos se chocam no mar do Sul da China, onde Pequim pede a maior parte das águas e Washington declarou ilegais as alegações de soberania chinesas. Ganha nova vida o diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) – o foro informal de defesa entre o Japão, Austrália, EUA e a Índia na região Ásia-Pacífico – em meio às tensões fronteiriças da China com seus vizinhos.


Discutem por seu armamento nuclear: a Casa Branca deseja que a China diminua seu arsenal, enquanto o gigante asiático responde que se sentará para negociar “se os Estados Unidos estiverem dispostos a reduzir [o seu]” a seu nível. Washington e Taipei se aproximam, para irritação do Governo de Xi Jinping, que considera Taiwan parte inalienável do território chinês e seu interesse primordial.


No campo da tecnologia, há mais de um ano se arrasta a disputa sobre a Huawei, o gigante chinês do qual os EUA suspeitam que pode agir como cavalo de Troia nos terminais e nas redes 5G ocidentais; uma disputa em que Washington pressiona seus aliados para que recusem as ofertas chinesas e que em Pequim é vista como uma tentativa de neutralizar um competidor que tomou a dianteira. Somente o acordo comercial continua em andamento por enquanto, ainda que preso por um fio e apesar de Trump declarar que não tem nenhum interesse para avançar à fase dois do pacto.


A China considera que sua ascensão corrige injustiças históricas e devolve o país ao lugar que historicamente lhe corresponde. Há tempos – e, evidentemente, desde o começo da guerra comercial – chegou também à conclusão de que os Estados Unidos são uma potência decadente que quer impedir a ascensão da China no cenário global para não perder suas vantagens. É uma convicção generalizada: tão ubíqua entre os círculos de poder como nas conversas das pessoas comuns. E Pequim responde – e se antecipa – com uma assertividade crescente, que aumentou notavelmente durante a pandemia. Os Estados Unidos, por sua vez, acham que Pequim ameaça seus interesses estratégicos e compete de maneira injusta no âmbito comercial.


Com a deterioração da relação, isso também ocorreu com a percepção mútua das duas sociedades. Um estudo do Pew Research Center de abril apontava que 66% dos norte-americanos têm opinião desfavorável sobre a China – a maior proporção desde que a pesquisa começou, em 2005 –, contra 26% que a vê como positiva. Por sua vez, uma pesquisa da Universidade Renmin de Pequim entre uma centena de acadêmicos chineses mostra que 62% deles acredita que os Estados Unidos querem lançar uma guerra fria contra seu país.


Nesse momento, o novo entendimento é que as relações entre a China e os Estados Unidos “não voltarão a ser as mesmas”, disse, citado pelo jornal Global Times, Liu Weidong, um dos pesquisados e associado à Academia Chinesa de Ciências Sociais, um dos grandes laboratórios estatais de ideias.


E se Trump perder a reeleição em 3 de novembro? Os dados do Pew evidenciam que as frentes entre os dois países vão além da agenda trumpista e Joe Biden, concorrente democrata à Casa Branca, transmitiu uma dura mensagem contra o regime de Xi Jinping.




Hufbauer dá como certo que essa guerra fria continuará com Biden na presidência. “A retórica e a ênfase serão possivelmente diferentes. Biden falaria de comércio, mas certamente falaria mais de Hong Kong, e dos uigures, das condições de trabalho, meio ambiente… Mudaria a conversa, mas a guerra comercial não desaparecerá”, opina. Biden, para começar, apresentou um programa econômico que abraça parte do nacionalismo econômico de Trump sob o lema “compre produtos americanos”.


Que os atritos tenham aumentado se deve, pelo menos em parte, a motivos internos. Nenhum dos dois rivais atravessa seu melhor momento. Se os Estados Unidos já têm o olhar em suas eleições de novembro, a China conseguiu deixar para trás o pior da pandemia, mas a um custo elevado. Não somente econômico – no primeiro semestre sofreu uma contração de 1,6% -, como também de imagem: sua assertiva política exterior e sua gestão da Covid despertaram, e agravaram, suspeitas em outros países, que por sua vez endurecem suas posturas em relação ao gigante asiático.


“Trump e Xi Jinping se encontram em um dilema parecido”, disse Orville Schell, da Asia Society, em uma videoconferência recente organizada pela instituição. “Os dois procuram, de certa forma, exportar seus problemas jogando a culpa em assuntos de fora, e agitando problemas no estrangeiro. Ambos utilizam muito as glórias nacionalistas. Os dois são populistas até a medula. Ambos são assombrados pelo desemprego, e a maior parte de sua legitimidade vem de sua capacidade de gestão econômica. Há muitas semelhanças entre os dois, o que explica talvez por que apesar de tudo conseguiram manter sua amizade”, afirmou Schell.


Um confronto pleno está bem distante das intenções dos dois países. Têm, ao fim e ao cabo, os dois exércitos mais poderosos do mundo. E suas economias, queiram ou não, estão fortemente interconectadas. Um desengate seria “pouco prático”, afirmou o ministro Wang neste mês em um discurso a acadêmicos norte-americanos em que tentava pedir calma.


Mas dano já pode estar feito. “A guerra comercial dos últimos dois anos teve pouco impacto real na economia chinesa. Por outro lado, a psicologia da sociedade teve papel importante”, declarou Wang Wen, veterano executivo do Instituto de Estudos Financeiros Chongyang, da Universidade Renmin. “A imagem que costumávamos ter dos Estados Unidos – democracia, liberdade, abertura, normas claras, palavras que provavelmente vêm à mente da maioria – essa imagem positiva desapareceu”.


Há 11 anos, em uma entrevista publicada pelo Atlantic Council, perguntaram a Zbigniew Brzezinski, conselheiro de Segurança Nacional com Jimmy Carter, que lição havia aprendido da Guerra Fria. Poderia dizer “não se precipitar”: foi ele que em 1979 recebeu uma ligação na madrugada em que lhe informavam de um ataque de mísseis soviéticos que acabou sendo um erro.





Mas o que disse foi: “A queda da Cortina de Ferro e os acontecimentos desses anos foram geridos com sofisticação e com uma América envolvida trabalhando alinhada aos alemães, aos britânicos e aos franceses. Precisamos de parceiros sérios, por isso defendo tanto que exista uma voz europeia a se escutar, mas depende dos europeus modelá-la. Por enquanto não a temos, temos um vazio político na Europa. Era 2009. Agora a Europa, ainda que continue com seus debates internos, é quem não encontra interlocutor do outro lado do Atlântico”.


A imensa batalha cujo desenlace marcará o futuro da globalização


Alicia González (Madri)

A relação comercial é cenário de uma titânica disputa entre as duas grandes potências globais. A enorme dimensão da batalha reside tanto na envergadura dos intercâmbios submetidos a novas taxas alfandegárias – um volume de comércio que beira os 500 bilhões de dólares (2,6 trilhões de reais) anuais – como nas potenciais consequências em termos de redes de abastecimento globais. A tensão entre este domínio foi muito intensa ao longo da presidência de Donald Trump e a pandemia deixou em pedaços a frágil trégua selada entre os dois países em janeiro.


Também colocou sob suspeita a confiabilidade da China como principal produtor mundial de suprimentos médicos e equipamentos sanitários e forçou uma revisão generalizada das redes globais de abastecimento. O coronavírus, como concorda boa parte dos especialistas, só acentuou as tendências econômicas, geopolíticas e sociais que já vinham sendo gestadas anteriormente. Também na disputa entre os EUA e a China.


O pacto assinado em 15 de janeiro na capital norte-americana por Trump e o vice-primeiro-ministro chinês, Liu He, obrigava a China a comprar 200 bilhões de dólares (1,05 trilhão de reais) a mais em grãos, carne de porco, aviões, equipamento industrial e outros produtos norte-americanos. Era a coroação de um grande esforço diplomático norte-americano, um elemento central na ideologia protecionista que levou Trump ao poder e é um fator essencial para entender as relações atuais entre as duas potências.


Mas os novos protocolos derivados da pandemia e a fragilidade da demanda interna e externa pela crise econômica desatada pelo coronavírus tornam praticamente impossível cumprir o acordado. “A China tomou medidas para colocar em andamento alguns dos compromissos incluídos na fase um do acordo comercial, como a proteção da propriedade intelectual, mas a capacidade de cumprir as metas de compras está se desvanecendo”, frisa o relatório de primavera sobre a China do Rhodium Group.


Terreno adubado para que os Estados Unidos adotem novas medidas sancionadoras e sepultem definitivamente o acordo nos próximos meses. “Funcionários da Casa Branca afirmam que as possibilidades de que Trump acabe com o acordo são de 51% contra 49%”, diz Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia Group, em Nova York. “Mas não quer fazê-lo muito cedo pelo impacto que uma reação negativa dos mercados pode ter sobre o ciclo eleitoral”, alerta.





Trump e o vice-primeiro-ministro chinês Liu He, exibem acordo assinado em janeiro na Casa Branca.MARK WILSON / GETTY IMAGES

Trump iniciou a guerra comercial contra a China em março de 2018 impondo taxas alfandegárias às importações de aço e alumínio. Uma medida que atingiu em cheio muitas empresas norte-americanas – de engarrafadoras de latas de refrigerante a fabricantes aeronáuticos – e que desatou uma escalada entre as duas potências. No total, os EUA impuseram taxas sobre produtos chineses no valor de 360 bilhões de dólares [1,88 trilhão de reais] (sobre um total de 452,2 bilhões de dólares (2,3 trilhões de reais) importados em 2019) e a China sancionou o equivalente ao total de produtos de compra dos EUA, 110 bilhões de dólares (575 bilhões de reais).


Com isso, os EUA conseguiram reduzir seu déficit comercial com a China em 18% no ano passado e situá-lo em níveis semelhantes aos de 2016, mas o impacto das taxas alfandegárias golpeou duramente empresas e consumidores do próprio país.


De acordo com um relatório da Reserva Federal de Nova York, as empresas norte-americanas “suportaram praticamente todos os custos” das novas taxas impostas pela Administração, o que reduziu os lucros e o investimento. As represálias, diz o relatório, obrigaram que elas mudassem suas redes de abastecimento, com o conseguinte aumento de custos. Tanto que, de acordo com os cálculos da entidade, dois anos de guerra comercial com a China reduziram a capitalização das empresas norte-americanas em 1,7 trilhão de dólares (8,9 trilhões de reais).


“Os grandes beneficiados da escalada alfandegária foram o Vietnã (que viu aumentar suas exportações aos EUA em 35%, 17,5 bilhões de dólares – 91,5 bilhões de reais), junto com a Europa (31,2 bilhões de dólares – 163 bilhões de reais)”, dizem em uma nota Yukon Huang e Jeremy Smith, do Carnegie Asia Program. Enquanto isso, “a indústria norte-americana não conseguiu cobrir essa diferença e o índice de produção industrial registrou sua primeira queda anual desde 2015”, afirmam.


Domínio geopolítico


Na verdade, o confronto entre os EUA e a China excedeu desde o começo os contornos da relação comercial, com o olhar posto no domínio geopolítico. Ainda que não se tenha traduzido no boom do emprego e da produção da indústria nacional que Trump apregoava, o certo é que as taxas alfandegárias e as limitações impostas ao comércio com empresas chinesas, especialmente no âmbito tecnológico, estão obrigando as empresas não só dos EUA, como também de outros países, a procurar fornecedores alternativos para seu abastecimento. Por exemplo, uma pesquisa da UBS entre empresas asiáticas diz que 85% de seus diretores têm a intenção de mover parte de sua capacidade fora da China.


Essa tendência, que já existia, se aprofundou com a covid e a intenção de muitos Governos é repatriar a fabricação de produtos de primeira necessidade, principalmente médicos e sanitários, para reduzir sua dependência da China diante de uma possível repetição de episódios de emergência global. Um cenário que implica um claro aumento das políticas protecionistas e, com isso, um freio à globalização, não somente de bens, como também – e como novidade – dos serviços.


“O centro da pressão dos EUA sobre seu rival geopolítico passou do comércio ao acesso aos mercados de capital e à tecnologia” frisam os economistas da UPB em um recente relatório de perspectivas.



De fato, a Casa Branca sugeriu ao Congresso que estude a possibilidade de proibir que os fundos de pensão públicos invistam em ativos chineses. Também criou um grupo de trabalho, liderado pelo secretário do Tesouro, Steve Mnuchin, e o presidente da Reserva Federal, Jerome Powell, para decidir se impedem que algumas empresas chinesas cotizem em Wall Street e, portanto, não possam captar o financiamento que precisam para seus negócios. O relatório será apresentado em agosto.


Com as coisas assim, não parece que o grau de confronto entre os EUA e a China irá diminuir em breve. “Na Guerra Fria, os EUA podiam se permitir impor sanções à Rússia porque seus vínculos econômicos eram mínimos. Mas esse não é o caso com a China”, diz Arthur Kloeber, da Gavekal Research, em uma videoconferência com clientes. “Washington deve evitar, por um lado, agravar a situação econômica em um momento como o atual e não pode esquecer que a China é o segundo maior dono de dívida dos EUA, atrás do Japão”. Mas como aponta em um relatório Raoul Leering, do ING, “se o presidente Trump acha que a China pode ser um bode expiatório para a crise atual e que isso pode impulsionar suas possibilidades de reeleição, a adoção de novas medidas protecionistas é uma clara opção”, finaliza.


Os mísseis chineses inquietam o Pentágono


Carlos Torralba (Madri)

Em outubro, na comemoração do 70° aniversário da fundação da República Popular, a China exibiu as últimas joias de sua indústria armamentista. Em Tiananmen apareceram pela primeira vez o DF-41 – capaz de atingir qualquer país a partir de seu território e lançar até 12 ogivas nucleares –, a última versão dos bombardeios estratégicos H-6N – com um alcance de combate de mais de 5.000 quilômetros – e o JL-2 – um míssil balístico intercontinental de lançamento submarino. Pequim mostrou ao mundo sua tríade nuclear, seu arsenal atômico pronto para ser utilizado de terra, mar e ar.


No ocaso da Guerra Fria, o gasto militar chinês representava pouco mais de 1% mundial – menos do que a Itália e o Kuwait –, de acordo com cálculos do Instituto Internacional de Estocolmo para a Pesquisa da Paz (Sipri). Desde então, Pequim realizou um processo de modernização das Forças Armadas que se acelerou sob o comando de Xi Jinping, que expurgou os cargos de alto escalão de oficiais corruptos e desleais. Mesmo que ainda longe dos EUA, o gasto militar chinês já equivale a pelo menos 14% do global. E não para de crescer, até mesmo em tempos de pandemia. O primeiro-ministro, Li Keqiang, anunciou no mês passado que o investimento em defesa aumentará 6,6% no próximo ano.




A China já não depende como antes das importações de material militar. Desenvolveu uma indústria armamentista e naval de primeira linha e a cada ano obtém mais lucro com as exportações. O Paquistão – onde constrói sua segunda base no estrangeiro, como revelam imagens de satélite – Bangladesh e Mianmar são seus principais clientes. Os fabricantes chineses de armamentos se destacam no âmbito da inteligência artificial e na produção de drones e mísseis.


Há mais de meio século, Washington e Moscou estiveram limitados por uma estrutura de controle armamentista pactuada pelos dois. E Pequim soube tirar partido nas últimas décadas das amarras a que estavam submetidas as outras duas superpotências. O Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF, na sigla em inglês) proibia os EUA e a URSS (depois a Rússia como sucessora) armazenar, testar e lançar mísseis terrestres, convencionais e nucleares, de alcance intermediário (entre 500 e 5.500 quilômetros). Durante os 32 anos em que o veto durou, Pequim lançou pelo menos 2.000 desses mísseis, de acordo com cálculos de serviços de inteligência ocidentais.


Degrau a degrau, esse sistema de segurança do qual, de certa forma, se beneficiou a ordem mundial, foi se desintegrando. O INF se encerrou no ano passado, após a notificação da Casa Branca, e em junho começaram em Viena nas negociações para tentar prorrogar o New Start – que expira em fevereiro e limita o número de ogivas nucleares dos EUA e Rússia –, o último resquício da estrutura de controle pactuada por Washington e Moscou.


A mensagem dos negociadores de Trump na capital austríaca foi clara: sem representantes de Pequim na mesa, não há nada do que se falar. Um diplomata chinês afirmou à agência Reuters que “adorariam” participar de uma negociação trilateral com a condição sine qua non de que a Rússia e os EUA reduzam seu arsenal nuclear – de 4.300 e 4.150 ogivas, respectivamente – aos números chineses – 300 –. As possibilidades de que Pequim concorde se submeter a um sistema de controle armamentista e desarmamento progressivo são praticamente nulas.


Além do programa balístico, os avanços mais notáveis são os da Marinha chinesa. Em 1996, o Exército Popular de Libertação realizou testes com projéteis em águas próximas a Taiwan. O presidente dos EUA à época, Bill Clinton, respondeu à ameaça à ilha com o envio de dois porta-aviões à região, acabando com a crise. Menos de 25 anos depois, a situação mudou. A frota de Pequim tem 335 navios de guerra; a dos EUA, cinquenta a menos, de acordo com um relatório do Serviço de Pesquisa do Congresso (CRS, na sigla em inglês) apresentado em maio. Em 2012, a Marinha chinesa colocou seu primeiro porta-aviões, no ano passado o segundo e até 2022 já pretende ter quatro em operação.


Em geral, o armamento e as capacidades do Exército chinês continuam longe das dos norte-americanos. Mas a distância é exponencialmente menor do que décadas atrás, e inexistente em alguns âmbitos. Uma das visões mais pessimistas é a de Christian Brose, ex-diretor do Comitê das Forças Armadas no Senado. Em seu recente livro, The Kill Chain: Defending America in the Future of High-Tech Warfare (A corrente da morte: Como defender os EUA na futura guerra de armamento tecnológico), afirma que no caso de conflito no Pacífico, os EUA teriam todas as chances de sair derrotados. Brose desenha um panorama em que as bases de Guam, Japão e Coreia do Sul se “inundariam” de projéteis; os porta-aviões seriam indefensáveis nas proximidades do litoral chinês e os F-35 – os caças mais sofisticados do mundo – logo estariam fora de jogo porque os aviões-tanque necessários para reabastecer teriam sido destruídos.





O único porta-aviões chinês ‘Liaoning’, em dezembro de 2016 durante manobra no Pacífico.STR / AFP VIA GETTY IMAGES

Nem todos no Pentágono compartilham as projeções de Brose, mas reconhecem sem rodeios que o desenvolvimento e mobilização de armamento antiaéreo e antinavios, e os deslumbrantes avanços em mísseis terrestres – balísticos e de cruzeiro – colocam as tropas norte-americanas na região em uma situação muito vulnerável. “A China significa agora um grande desafio à capacidade da Marinha norte-americana de dominar e controlar as águas do Pacífico ocidental – o Primeiro desafio de envergadura semelhante desde o final da Guerra Fria – “, se admite no citado relatório de maio do CRS.


Para tentar reverter a situação, militares de alto escalão norte-americanos alertam em março no Congresso da urgência de se adotar uma nova estratégia; e da necessidade de investir bilhões de dólares nela. Unidades de marines pequenas, rápidas e móveis. E carregadas com mísseis Tomahawk projetados especificamente para este cenário. Mas para que esses comandos possam ser eficientes, os EUA deverão – afirmou o general David Berger no Senado – mobilizar um arsenal de mísseis terrestres equiparável ao implantado pela China. Diante das intenções de Trump, o governador do departamento japonês de Okinawa reiterou que nenhuma das ilhas que administra abrigará esse tipo de armamento nuclear vetado aos EUA durante mais de três décadas.


Enquanto o Exército norte-americano vagava sem rumo e sangrando nas guerras do Afeganistão e Iraque, e o Pentágono se centrava mais nas possíveis ameaças de Moscou e o terrorismo jihadista muçulmano, a China se transformou em uma superpotência capaz de fazer-lhes frente em um conflito em grande escala. “O futuro emboscou os EUA”, diz Brose em seu livro. O certo é que hoje não bastaria enviar dois porta-aviões para defender aliados como Taiwan, Japão e Coreia do Sul.


A corrida tecnológica que os dois podem perder


Bernardo Marín (Madri)

Desde que os utensílios de ferro substituíram os de bronze e estes, os de cobre, a superioridade tecnológica marcou a ascensão e queda das civilizações. Também decidirá a hegemonia mundial no século XXI. E gerou um conflito aberto entre a China e os EUA que, pela primeira vez desde que os soviéticos lançaram o Sputnik em 1957, sentem que podem estar perdendo a corrida da inovação. Perto da nova revolução industrial do 5G, o confronto aproxima a possibilidade de um retrocesso na interdependência tecnológica entre os dois países, com enormes implicações na economia e geopolítica global.


O último episódio dessa disputa ocorreu em meados de julho com o anúncio por parte do Governo de Boris Johnson de que proibirá o uso da tecnologia da Huawei nas redes 5G – a quinta geração de tecnologia de comunicação sem fio – a partir de 2027. Na decisão, que significa uma mudança em relação à posição britânica anterior, pesaram as sanções impostas em maio pelos EUA para deter a aquisição por parte da empresa de microprocessadores e software de tecnologia norte-americana, cruciais ao seu desenvolvimento. Uma medida que Washington justifica com o argumento de que a Huawei e outras empresas chinesas são controladas pelo Exército Popular e são uma ameaça à segurança nacional.





O veto a Huawei significará um atraso de pelo menos dois anos no 5G britânico e requererá um investimento extra de 3 bilhões de euros (19 bilhões de reais). Mas não serão os únicos custos dessa arriscada corrida. “Há grandes dependências que fazem com que a competição seja perigosa aos dois lados. As empresas de semicondutores dos EUA obtêm grandes lucros do acesso ao mercado da China, que utilizam para impulsionar sua I+D. E a China continua dependente em grande medida dos EUA de semicondutores fundamentais como os GPU e para softwares de sistemas operacionais dos celulares”, diz Paul Triolo, chefe de Geotecnologia da consultoria Eurasia Group.


“Se Washington tentar isolar as empresas de tecnologia chinesas dos fornecedores norte-americanos, isso as obrigará a melhorar suas capacidades e tentar acabar com a distância entre seus rivais. Será um jogo a longo prazo onde existirão muitos vencedores e perdedores entre as empresas envolvidas” diz Triolo. Em última instância surge um cenário, cada vez menos improvável, de desengate tecnológico dos dois países, com a emergência de dois blocos rivais que não compartilham informação e infraestrutura.


Para Águeda Parra, engenheira, sinóloga e doutora em Ciências Políticas, o novo momento Sputnik que fez os EUA reagirem foi perceber o atraso que acumula na corrida do 5G e da Internet das coisas (IoT, na sigla em inglês), os dois aspectos que mais vão mudar os ecossistemas da indústria. “Pela primeira vez a China participará dos padrões que vão gerar uma revolução industrial. O faz como ator protagonista, dez anos à frente de seus rivais. E, além disso, com a experiência do desenvolvimento comercial dessa tecnologia em seu país”, afirma.


Pequim já declarou abertamente suas intenções de se transformar em uma superpotência inovadora quando em maio de 2015 lançou o plano estratégico Made in China 2025. A iniciativa, financiada com 300 bilhões de dólares (1,5 trilhão de reais), pretende transformar a grande fábrica de produtos baratos do mundo em ponta de lança da robótica e da biotecnologia. E desperta enormes receios no Ocidente porque consagra o controle estatal da economia que dificulta a concorrência das empresas estrangeiras.


Andrés Ortega, pesquisador do Real Instituto Elcano, não gosta da denominação “guerra fria”. “Naquela época havia uma competição entre sistemas ideológicos que tentavam convencer outros países. Agora competem pelos mercados. O Governo chinês não tenta exportar seu sistema, não tem aliados”, afirma. O que existem são dois modelos econômicos que resolvem de maneira diferente uma questão crucial: a da propriedade dos dados. “Na China, o Estado patrocina o avanço tecnológico e pode acessar a informação que as empresas têm da população. Nos EUA o dinamismo surge das empresas privadas em cujas mãos estão os dados, que souberam monetizar com grande sucesso”.


Esse acesso das autoridades de Pequim à informação manejada pelas empresas foi um os principais argumentos para colocar sob suspeita as empresas chinesas. E os receios não vêm só dos Estados Unidos. No final de junho, a Índia proibiu 59 aplicativos chineses, alegando segurança nacional. Entre eles, o TikTok, a plataforma de vídeos curtos que em 2019 se transformou na mais baixada do mundo. Dias depois, Pompeo sugeriu que os EUA também poderiam proibi-la e que só deveria usá-la “quem quer que seus dados acabem nas mãos do Partido Comunista Chinês”.


Quem está em situação de clara desvantagem em meio a essa luta de titãs é a Europa. Entre as 20 maiores empresas de Internet do mundo não há nenhuma com sede no continente. Entre os 50 maiores unicórnios (startups avaliadas em mais de 1 bilhão de dólares) também não há nenhuma radicada na UE. A China e os EUA também lideram o ranking de supercomputadores, ainda que o maior seja japonês.





O problema europeu não é só econômico, também é de soberania. “Há uma dependência brutal da Europa da tecnologia norte-americana e chinesa por uma questão de falta de investimento. A Comissão está tentando investir em inteligência artificial mais ou menos o que o Google investe sozinho”, diz Ortega. “Há iniciativas para recuperar essa soberania, como o projeto Gaia X [uma nuvem europeia], impulsionado pela França e Alemanha. Mas há dificuldades, porque, ao contrário dos EUA e da China, não é um só Estado, sequer um único mercado em termos de língua e dados”.



 

“E ouvireis de guerras e de rumores de guerras; olhai, não vos assusteis, porque é mister que isso tudo aconteça, mas ainda não é o fim.  Porquanto se levantará nação contra nação, e reino contra reino, e haverá FOMES, PESTES e TERREMOTOS, em vários lugares. Mas todas estas coisas são [APENAS] o princípio de dores. – Mateus 24:6-8


“E faz que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita, ou nas suas testas, Para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome. Aqui há sabedoria. Aquele que tem entendimento, calcule o número da BESTA; porque é o número de um homem, e o seu número é seiscentos e sessenta e seis[666]“.  –  Apocalipse 13:16-18




Obrigado por tudo Thoth3126!!!


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