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Posted by Thoth3126 on 16/11/2021
Capítulo III-A – No rastro de MARIA MADALENA
Ela era bela – do mesmo modo que as estátuas das deusas gregas eram belas – mais propriamente que bonita, segundo o padrão moderno. De feições bem marcadas, com o cabelo apartado ao meio (n.t. Provavelmente ela fosse RUIVA, com longos cabelos cor de fogo), a impressão que ela dá é quase a da severidade e integridade de uma mestra de escola de aldeia.
Aqui, há pouco que sugira a voluptuosa mulher desonesta das lendas. Porque esta, segundo nos dizem, é a CABEÇA de Maria Madalena. A caveira, normalmente em exibição em toda a sua perturbante glória macabra, na basílica, está agora decorosamente encerrada na sua máscara dourada e é exibida perante a multidão da cidade de Saint Maximin-la-Sainte-Baume, na Provença. …
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Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch
Capítulo 03 A- NO RASTRO DE MARIA MADALENA – Livro “The Templar Revelation – Secret Guardians of the True Identity of Christ” de Lynn Picknett e Clive Prince.
CAPÍTULO III A – NO RASTRO DE MARIA MADALENA
… Este acontecimento anual registra-se no domingo mais próximo do dia comemorativo de Madalena, 22 de Julho. Em 1996, o ano da nossa visita, o desfile realizou-se a 23 de Julho, com sol brilhante e um calor sufocante.
Perto das quatro da tarde, depois de terem acabado os seus demorados almoços franceses, os habitantes da cidade exibem, finalmente, a relíquia, colocada sobre um andor vagamente oscilante. Centenas de pessoas convergiram para a procissão, talvez só porque ela se realizava – toda a gente gosta de ver um desfile -, mas parecia haver muitos peregrinos verdadeiramente fervorosos entre a multidão, com os olhos rejubilantes, fixos na estranha cabeça que estava sendo conduzida por entre a multidão.
Tivemos de nos lembrar, contudo, de que há sempre peregrinos, sempre crentes fervorosos nalguma coisa, ou em tudo, e que a fé, em si, não é medida de autenticidade histórica. Todavia, tendo nós vindo de uma cultura quase indiferente a Madalena, o simples poder deste festival fez-nos hesitar. Este é, na verdade, o país da solene Maria Madalena.
Também houve uma certa ironia na nossa presença em St Maximin. Os testes de carbono que, em 1988, dataram o Sudário de Turim e que provaram que ele era uma fraude – e que, por sua vez, despertaram o nosso interesse nele – tinham usado, como amostra de controle, tecido de uma capa do século XIII, pertencente a «S.» Luís IX, que se conserva na Basílica de St Maximin.
Para os fins desta investigação, no entanto, todas as reflexões sobre o Sudário de Turim foram afastadas. Estávamos ali, no Sul de França, para descobrir a verdade sobre Maria Madalena, a mulher que se julga estar no centro de muitos mistérios e cujo poder se estende até à cultura actual, de um modo que ainda não tínhamos compreendido totalmente. Sob um calor extremo, quase estonteante, assistimos à procissão anual da suposta cabeça de Maria Madalena, com sentimentos confusos. Para as pessoas educadas na Inglaterra protestante, as festividades católicas e todo o ritual que rodeia as relíquias surgem um pouco como um choque cultural. Estas coisas podem parecer de mau gosto, aparatosas e até macabras.
Mas, aqui, o que mais nos chocou não foi a ridícula exibição de superstição, mas a devoção e o orgulho da população local, cujo entusiasmo por esta santa especial não pode ser considerado inteiramente solene. Talvez aqui a palavra apropriada seja «local», porque é a bandeira provençal, e não a francesa, que flutua por cima de nós, o que faz supor uma veneração a uma santa muito local, mesmo que tivesse chegado a estas paragens um pouco tarde na vida. Supõe-se que Maria Madalena veio da Palestina por mar e fixou-se na Provença, onde morreu. A continuidade do seu poder é tal que ela não é apenas venerada, mas amada com uma estranha paixão, nesta região, até hoje.
Certamente que lhe é dedicada uma devoção extraordinária, mesmo fanática, na Provença, e persistem as lendas da sua morte nesta zona: muitas pessoas tomam isso como uma realidade. Mas isto não é apenas a continuação devota de uma tradição cristã não católica, pois a igreja a definiu como uma prostituta. Fomos invadidos por um sentimento sutil de que alguma coisa mais importante se escondia sob a superfície. E era precisamente o significado desse veio submerso e subterrâneo (e secreto) que estávamos determinados a descobrir.
Primeiro, como foi possível que o corpo de uma mulher hebreia da Palestina do século I viesse a ser sepultado no Sul de França? Que há nesta mulher, nesta santa especial, que evoca tanta paixão e devoção, tanto tempo depois da sua morte? E por quê – se, de fato, for verdade – lhe presta o Priorado de Sião uma veneração tão invulgar?
Mesmo antes de fazermos a primeira viagem a França, especificamente para investigar os locais tradicionalmente associados ao culto de Maria Madalena, passamos algum tempo a refletir sobre os seus antecedentes. Precisávamos conhecer a maneira como ela era historicamente compreendida na nossa cultura – e qual a força do seu continuado impacto.
Porque, em contraste com a relativa frieza com que ela é recebida na moderna Inglaterra protestante, para muitos católicos europeus mais ardentes ela é objeto de uma devoção fervorosa, quase apaixonada. Para eles, depois da Virgem Maria, ela é a mulher mais importante.
Perguntem às pessoas mais instruídas da atualidade quem era Maria Madalena e o que ela representava, e as respostas serão muito interessantes. Quase todas as pessoas responderão que ela era uma prostituta, mas depois – dependendo da perspectiva da pessoa em questão – seguir-se-á, em geral, algum comentário a respeito da sua mal definida mas implicitamente íntima relação com Jesus. Esta hipótese cultural, embora seja confusa, encontrou expressão na canção I Don ‘t Know How to Leave Him de Tim Rice / Andrew Lloyd Webber, da opereta Jesus Cristo Superstar (1970), em que ela é representada como «a mulher duvidosa com coragem», tão querida do teatro britânico. e no papel de consoladora de Jesus, o qual lhe restituíra o amor-próprio.
Quando a opereta estreou – e, mais tarde, foi adaptada ao cinema – causou alguma sensação entre a maioria católica, mesmo entre os britânicos, tipicamente fleumáticos. Em grande parte, isso deveu-se talvez a um sentimento de afronta por uma história que implicava a imagem de Jesus ter sido explorada para o show-business, e, para cúmulo, transformada numa ópera rock!
Uma versão de Madalena surgiu em Monthy Python’s Life of Brian (1979), embora esse não fosse o motivo dos gritos de indignação que se elevaram das fileiras dos católicos de todo o mundo. Tomando a figura de Brian como uma mal disfarçada alusão ao próprio Jesus, esta inteligente comédia, estranhamente perturbadora, foi largamente considerada como uma gritante blasfêmia. Pondo de lado toda a irreverência, o filme nunca pretendeu retratar Jesus, sendo uma sátira aos cultos messiânicos da sua época, a qual, todavia, na nossa opinião, acidental ou propositadamente, reunia alguns conhecimentos profundos e pormenores curiosamente bem investigados. Em Judith, a namorada de Brian – surrealisticamente representada como sendo galesa -, residia o verdadeiro poder que sustentava Brian e o seu movimento: na verdade, a sua retórica inflamada fez dele um homem, embora também acabasse por fazer dele um mártir.
Grupos de católicos barraram a entrada dos cinemas de vários países quando estes exibiram A Última Tentação de Cristo (1988) de Martin Scorcese. Embora o próprio Jesus fosse retratado como tendo algo de simplório, não parece ter sido esta a razão da vasta reação horrorizada. Esta deveu-se mais à representação explícita de relação sexual entre Maria Madalena e Jesus – mesmo que fosse apenas uma sequência fantástica. Por razões que analisaremos mais tarde, todo este conceito (envolvendo a relação sexual de Jesus e Madalena) é estranhamente repugnante para a maioria dos católicos, provavelmente porque consideram que ele implica certas perguntas fundamentais acerca da “divindade” de Jesus (n.t. e o dogma católico do pecado através do sexo).
Para eles, o conceito de um Jesus sexualmente ativo, mesmo no contexto de um casamento, é automaticamente blasfemo: sugestões, nesse sentido, devem implicar que ele também não podia ser Filho de Deus. Mas o que foi mais significativo na produção do filme A Última Tentação de Cristo foi a óbvia e persistente fascinação de Scorcese por Madalena e pelo conceito da sua relação íntima com Jesus. (E, curiosamente, o próprio realizador é um ítalo americano católico.)
Não é, contudo, a permissividade moderna que transformou Madalena quase num ícone. Ao longo da história, ela sempre personificou, de algum modo, a atitude contemporânea em relação às mulheres – em perspectivas não acessíveis à única outra figura feminina dos Evangelhos, a não sexual e remota Virgem (apesar de mãe de Jesus e de outros filhos) Maria. Na época vitoriana, por exemplo, Madalena era uma boa desculpa para representar prostitutas arrependidas, semi-nuas e extáticas; ao mesmo tempo, santas e pecadoras, conhecedoras e desconhecidas. Era moda, nos bordéis da época, algumas prostitutas representarem o papel do arrependimento de Madalena, embora os pormenores exatos desses «mistérios» particulares pouco devessem à sua história, tal como é narrada nos Evangelhos. Na atual época feminista, a ênfase é posta na sua relação com Jesus.
Madalena pode ter mantido o seu papel como teste dos costumes sexuais seculares contemporâneos, mas, ao longo da história, a sua imagem também refletiu a atitude de uma Igreja patriarcal em relação às mulheres e à sua sexualidade. E apenas como prostituta arrependida que ela é admitida na congregação dos santos católicos e a propagação da sua lenda depende do seu arrependimento e da sua maneira de viver, desconfortável e solitária. A sua santidade baseia-se na sua renúncia.
Nas últimas décadas, esta Maria tornou-se um foco da maneira como a Igreja tem lidado com os seus adeptos femininos, especialmente quando a ordenação sacerdotal de mulheres na Igreja Anglicana se transformou numa questão polêmica. E não foi por acaso que, quando foram ordenadas vigárias as primeiras mulheres, a epístola escolhida foi a história do Novo Testamento que narra o encontro de Jesus ressuscitado com Madalena no horto. Sendo a única mulher importante na história de Jesus, além da sua mãe, é natural que ela seja aproveitada por muitas ativistas femininas, no seio da Igreja, como símbolo poderoso dos seus direitos. Porque o continuado poder de Maria Madalena não é imaginário; sempre existiu e exerceu uma profunda atração ao longo dos séculos, como explica Susan Haskins no seu recente estudo Mary Magdalen (1993).
No princípio, o simples poder de atração de Madalena parece intrigante, especialmente porque quase não é mencionada no Novo Testamento. Fomos tentados a pensar que, como no caso de Robin Hood dos Bosques, a própria escassez de informação constituía uma tentação para inventar elementos míticos para preencher as lacunas. Contudo, se alguém criou uma Maria Madalena imaginária, foi a própria Igreja (ao fazer de tudo para colocá-la à margem da história). A sua imagem de prostituta arrependida não tem nada a ver com a sua história, narrada por Mateus, Marcos, Lucas e João: a figura descrita no Novo Testamento (n.t. e nos evangelhos apócrifos) é completamente diferente da que é evocada pela Igreja.
Os Evangelhos são os únicos textos relativos a Maria Madalena que a maioria das pessoas conhece, portanto, voltamo-nos agora para eles. Até há pouco tempo, a sua figura era considerada pela maioria dos católicos como sendo marginal à história mais ampla de Jesus e dos seus discípulos. Mas, nos últimos anos, houve uma clara mudança na percepção que os estudiosos têm dela (e do poder feminino na criação). Hoje, o seu papel é considerado bastante mais importante, e é à luz destas conclusões que fundamentamos a nossa hipótese.
Além da Virgem Maria, Maria Madalena é a única mulher cujo nome é referido nos quatro Evangelhos. Surge, pela primeira vez, durante o ministério de Jesus na Galileia como fazendo parte de um grupo de mulheres que o seguiam – e «o serviam com os seus próprios recursos». Foi dela que foram expulsos «sete demônios». A “tradição” também a tem identificado com duas outras mulheres do Novo Testamento: Maria de Betânia, irmã de Marta e Lázaro, e uma mulher anônima que unge Jesus com perfume de nardo, contido num vaso de alabastro. Esta ligação será explorada mais tarde, mas, por agora, cingir-nos-emos à figura inequivocamente identificada como Maria Madalena.
O seu papel adquire um significado totalmente novo, profundo e duradouro quando ela é referida como tendo assistido à Crucificação e, mais especialmente, quando se torna a primeira testemunha da Ressurreição. Embora os relatos dos quatro Evangelhos relativos à descoberta do túmulo vazio sejam notoriamente diferentes, todos estão de acordo quanto à identidade da primeira testemunha do Jesus ressuscitado: sem dúvida, Maria Madalena.
Ela não foi apenas a primeira testemunha feminina, mas a primeira pessoa a vê-lo depois de ele ter emergido do túmulo, um fato que tem sido largamente obscurecido pelos muitos que preferem contar apenas os homens que seguiram Jesus como sendo os seus verdadeiros apóstolos.
De fato, a Igreja baseou a sua autoridade inteiramente no conceito de apostolado – sendo Pedro o «primeiro apóstolo» e, portanto, o canal através do qual o próprio poder de Jesus Cristo se transmitiu à posteridade (n.t. aqui temos uma grande subversão da realidade, pois o “herdeiro” de Cristo não foi Pedro – em nome de quem foi criada a heresia da igreja de Roma -, mas sim JOÃO …). A autoridade de Pedro, embora muitos julguem que ela provém da afirmação expressa no jogo de palavras «sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja», oficialmente provém do fato de ter sido Pedro o primeiro dos discípulos de Jesus a vê-lo, depois de ressuscitado. Mas o relato do Novo Testamento contradiz terminantemente os ensinamentos da Igreja sobre este fato.
Manifestamente, só a este respeito, Madalena sofreu uma enorme injustiça, uma injustiça com implicações excepcionalmente vastas. Mas há mais. Ela foi também a primeira a receber de Jesus uma incumbência apostólica direta, ao ser encarregada de levar aos outros discípulos a notícia da ressurreição. Curiosamente, talvez, logo no seu início, em seus primórdios a Igreja reconheceu o seu verdadeiro lugar na hierarquia e conferiu-lhe o título Apóstola Apostolorum (Apóstola dos Apóstolos), ou, ainda mais explicitamente, «O Primeiro Apóstolo».
A razão porque Jesus optou por aparecer primeiro, na sua imagem de ressuscitado, a uma mulher foi sempre um espinho (n.t.bem grande) no flanco dos teólogos e eruditos. Talvez a explicação mais original surgisse na Idade Média, quando foi seriamente sugerido que a maneira mais rápida de espalhar a notícia era contá-la a uma mulher. Atualmente, é geralmente aceito pelos estudiosos que as mulheres desempenharam um papel muito maior e mais ativo no movimento de Cristo, tanto durante a sua vida como mais tarde, quando o movimento se divulgou entre os pagãos, do que tem sido geralmente admitido pela Igreja.
Foi apenas quando a Igreja se tornou uma instituição formalizada – sob a influência de S. Paulo – que o papel das mulheres foi minimizado. E o processo foi também retrospectivo.
Por outras palavras, embora as mulheres não tivessem sido figuras menores do drama cristão original, Paulo e os seus homens de confiança (e a igreja de Roma) asseguraram-se de que elas fossem marginalizadas ao longo da história.
É verdade que a impressão, transmitida apenas pelos Evangelhos, é a de que os discípulos de Jesus eram, de fato, todos homens. Apenas uma única referência do Evangelho de Lucas menciona mulheres que acompanhavam Jesus. Isto pode causar confusão quando, mais tarde, parece que surgem mulheres vindas não se sabe de onde para ocupar o lugar central, em redor da cruz. A julgar pela cavaleiresca marginalização das mulheres nos relatos, em geral, é intrigante a razão por que, abruptamente, elas são o centro da atenção.
Seria porque todos os discípulos de Jesus o tivessem, de fato, abandonado? As mulheres ficaram na história, neste ponto crucial. apenas porque foram os únicos amigos que se mantiveram fiéis? Os evangelistas talvez tivessem de registar o papel das mulheres na Crucificação, simplesmente porque elas foram as suas únicas testemunhas, e é do seu testemunho que toda a história depende. Significativamente, o testemunho das mulheres não era admitido nos tribunais judaicos dessa época, assim, a sua palavra sobre qualquer coisa não era considerada importante.
Entre as muitas implicações desta questão, está a de que a história de Maria Madalena ser a primeira a encontrar Jesus ressuscitado devia ter tido alguma base de fato real. É altamente improvável que uma história que se baseia fundamentalmente na palavra de uma mulher tenha sido inventada.
Exemplos notáveis de lealdade e de coragem, por se manterem junto de um criminoso condenado, estas mulheres são dignas de aplauso. Mas uma, em particular, paira acima das outras: Maria Madalena. A sua importância é sugerida pelo fato, quase sem exceção, de que o seu nome é o primeiro sempre que se apresenta uma relação das discípulas de Jesus.
Mesmo que alguns católicos atuais sugiram que isso se devia ao fato de ela ser a líder das discípulas. Numa sociedade tão rigidamente convencional e hierárquica, esta honra não era menor nem acidental: Madalena é a primeira, mesmo quando referida por aqueles que não têm qualquer consideração pelo lugar de nenhuma mulher do movimento de Jesus e especialmente qualquer amor por esta mulher, em particular.
Era ela, como vimos, que «cuidava» de Jesus e dos seus discípulos. Isto foi sempre explicado pela ideia de que ela era uma espécie de serva dedicada, constantemente prosternada ante os homens, muito mais importantes, do grupo. Mas os fatos são muito diferentes: não há dúvida de que as palavras originais usadas significam «sustentava» os outros, e «da sua substância» significa «com as suas posses MATERIAIS». Na opinião de muitos eruditos, Maria Madalena – talvez como as outras mulheres do movimento de Jesus – não era uma pessoa dependente e pobre, mas uma mulher de recursos materiais independente que sustentava materialmente Jesus e os outros homens. Embora a narração bíblica também use estas palavras em relação a outras mulheres apoiantes, é ela, como vimos, que está em primeiro lugar.
Maria Madalena é definitiva e deliberadamente separada das outras mulheres pelo seu próprio nome. Todas as outras mulheres, cujo nome é mencionado nos Evangelhos Canônicos, são definidas pela sua relação com um homem, como «esposa de…» ou «mãe de…». Apenas esta Maria tem o que se pode considerar um nome completo, embora o seu significado exato seja discutido mais tarde. Contudo, esta figura poderosa e importante mantém-se curiosamente enigmática.
Após o elogio, um tanto indireto, que os Evangelhos lhe dispensam, quando ela parece ter sido a escolhida, ela não volta a ser mencionada – nem nos Atos dos Apóstolos, nem nos textos de Paulo (nem na sua descrição da descoberta do túmulo vazio), nem nas epístolas de Pedro. Isto podia parecer ser um outro mistério, destinado a ser muito discutido, mas nunca desvendado – até consultarmos os textos conhecidos por Evangelhos Gnósticos, onde o quadro é subitamente clarificado, até um ponto espantoso.
Estes documentos – dos quais existem mais de cinquenta – foram descobertos em 1945, em Nag Hammadi, no Egito, e são uma coletânea de primitivos textos cristãos gnósticos; os originais de alguns dos textos são reconhecidos como datando aproximadamente da mesma época dos Evangelhos Canônicos. São textos que foram declarados «heréticos» pela Igreja primitiva e, portanto, foram sistematicamente reunidos e destruídos, como se contivessem algum grande segredo que fosse potencialmente perigoso para a instituição emergente.
O que muitos destes textos proclamam é a primazia de Maria Madalena: um deles é mesmo chamado de “O Evangelho de Maria”. A Maria deste Evangelho não é a Virgem, a mão de Jesus, mas sim o Evangelho de Maria Madalena. Talvez não seja por coincidência que os quatro Evangelhos do Novo Testamento (n.t. aceitos pela “santa” igreja de Roma) a marginalizem efetivamente, ao passo que os textos considerados «heréticos» realcem a sua importância. Seria possível que o Novo Testamento fosse, de fato, uma forma de propaganda, em nome do partido anti-Madalena?
Apesar de discutirmos os Evangelhos gnósticos com muito mais pormenores, num capítulo posterior, os seguintes pontos são de importância imediata. A história do Novo Testamento, como vimos, sugere, com relutância, que ela teve um papel importante no movimento de Jesus, mas os Evangelhos gnósticos proclamam e confirmam abertamente a sua primazia.
Além disso, esta posição superior não se limita apenas ao seu lugar entre as outras mulheres – ela é literalmente Apóstola dos Apóstolos e, por conseguinte, reconhecida como subordinada apenas a Jesus Cristo, com categoria superior aos discípulos, tanto masculinos como femininos. Ela foi efetivamente, segundo parece, a ponte entre Jesus e todos os outros discípulos, e foi ela que interpretou as suas palavras em benefício deles. Nestes textos, não foi Pedro (n.t. de novo como atestam as escrituras “oficiais” aceitas por Roma) o escolhido de Jesus para seu lugar-tenente, mas Maria Madalena.
Foi ela, segundo o Evangelho gnóstico de Maria, que reagrupou os discípulos desanimados, depois da Crucificação, e lhes incutiu alguma coragem quando eles estavam preparados para desistir e regressar às suas casas, depois da aparente perda do seu carismático líder. Ela desfez todas as dúvidas, não apenas com amor mas também com inteligência, e conseguiu encorajá-los a tornarem-se verdadeiros e devotos apóstolos. Isto não devia ter sido fácil, porque não só teve – presumivelmente – de enfrentar o sexismo predominante da sua época e cultura mas também teve de lutar contra um poderoso antagonista pessoal: Pedro, o Grande Pescador da lenda, o mártir e o “fundador da santa” Igreja Católica romana.
Ele, Pedro, alegam repetidamente os Evangelhos gnósticos, odiava-a e receava-a. embora, quando o seu mestre estava vivo, ele apenas pudesse protestar, em vão, contra o grau da sua influência. Vários destes textos narram discussões acaloradas entre Pedro e Maria, com o primeiro a perguntar a Jesus porque prefere, aparentemente a companhia daquela mulher. Como diz Maria Madalena, noutro Evangelho gnóstico, o Pistis Sophia: «Pedro faz-me hesitar; tenho medo dele, porque ele odeia a raça feminina.»
E no Evangelho gnóstico de Tomás, encontramos Pedro dizendo: «Deixem Maria ir-se embora, porque as mulheres não são dignas de viver.» Há alguma coisa mais nos relatos gnósticos que os torna explosivos no que diz respeito à Igreja de Roma. O quadro que eles pintam da relação de Maria e Jesus não é apenas o de mestre e aluno, nem o de guru e discípulo favorito. Eles são representados – muitas vezes, de forma viva – como estando em termos mais íntimos. Vejamos, por exemplo, o que diz o Evangelho gnóstico de Filipe:
“Mas Cristo amava-a mais do que a todos os seus discípulos e costumava beijá-la, por vezes, na boca. O resto dos discípulos sentiu-se ofendido por isso e exprimiram desaprovação. Perguntaram-lhe: «Porque a amas mais do que a todos nós?». O Salvador respondeu-lhes: «Por que não vos amo como a amo a ela?»
No mesmo Evangelho gnóstico, lemos a frase aparentemente inócua: «Havia três que acompanhavam sempre ao Senhor: Maria, sua mãe, sua irmã e Madalena, que é chamada a sua companheira. A sua irmã, a sua mãe e a sua companheira, todas se chamam Maria. E a companheira do Salvador é Maria Madalena.» Enquanto, hoje, a palavra «companheiro» sugere camarada, colega ou amigo, num sentido puramente platônico, a palavra grega original significava, de fato, «consorte» ou parceiro sexual…
{n.t. Biblioteca de Nag Hammadi: é uma coleção de textos gnósticos do cristianismo primitivo (período que vai da fundação até o Primeiro Concílio de Niceia em 325 d.C. que cria a igreja católica de Roma) descoberta na região do Alto Egito, perto da cidade de Nag Hammadi em 1945.
Naquele ano, um camponês local chamado Mohammed Ali Samman encontrou uma jarra selada enterrada que continha treze códices de papiro embrulhados em couro.
Os códices contêm textos sobre cinquenta e dois tratados majoritariamente gnósticos, além de incluírem também três trabalhos pertencentes ao Corpus Hermeticum e tradução/alteração parcial da A República de Platão. Na introdução de sua obra The Nag Hammadi Library in English, James M. Robinson sugere que estes códices podem ter pertencido ao monastério de São Pacômio localizado nas redondezas e que tenham sido enterrados após o bispo Atanásio de Alexandria ter condenado o uso não crítico de versões não canônicas dos testamentos em sua Carta Festiva de 367 d.C., após o Concílio de Niceia, por monges que teriam tomado os livros proibidos e os escondido em potes de barro na base de um penhasco chamado Djebel El-Tarif. Ali ficaram esquecidos e protegidos por mais de 1500 anos. Os textos nos códices estão escritos em copta, embora todos os trabalhos sejam traduções do grego. O mais conhecido trabalho é provavelmente o Evangelho de Tomé, cujo único texto completo está na Biblioteca de Nag Hammadi. Atualmente, todos os códices estão preservados no Museu Copta no Cairo, Egito.}
Ou os Evangelhos canônicos foram incluídos no Novo Testamento porque eles, e apenas eles, são a “verdadeira” palavra de Deus – ou os Evangelhos Gnósticos contêm, no mínimo, informação tão válida (verdadeira) como a de Mateus, Marcos, Lucas e JOÃO. O equilíbrio de probabilidade (e a verdade) inclina-se a favor dos Evangelhos gnósticos terem tanto direito ao nosso respeito como os do Novo Testamento. Postado em Dezembro 2014.
Continua …
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